04/09/2010. 22/02/2011. Provavelmente essas datas não significam nada para você. Para mim também não significavam.
Porém para cada um dos habitantes de ChCh (como Christchurch é carinhosamente abreviada) são as datas em que a vida de cada um mudou completamente!
Ao vir para ChCh, maior cidade da Ilha do Sul da NZ e segunda maior do país depois de Auckland, sabíamos sim da ocorrência de um grande terremoto “há uns 3-4 anos atrás”. E isso era tudo. Como o país é rico e ChCh tem “apenas 400,000 habitantes”, na minha mentalidade brasileira de números grandes pensei que o fato e as conversas sobre o terremoto com o pessoal local seriam apenas longínquas lembranças. Ledo engano.
A primeira indicação que algo muito mais sério tinha acontecido aqui foi quando, ao alugar nosso quarto no AirBnB, lemos no perfil da proprietária que ela estava reabrindo o Bed and Breakfast só agora (o que foi ótimo para nós pois pegamos um quarto todo arrumadinho e recém pintado) porque tinha alugado o local para moradores locais que necessitavam de apoio devido ao terremoto. Achei estranho pois o terremoto tinha ocorrido 4 anos atrás e pensei logo na figura tradicional de desabrigados sem ter para onde ir. Na realidade, entendemos mais tarde, muitas casas foram danificadas pelo terremoto e tiveram que ser desocupadas para demolição ou conserto. Por toda a cidade, vemos este tipo de situação, casas ainda esperando por uma solução.
Voltando aos fatos, em setembro de 2010 houve um grande terremoto na cidade (7.1 na escala Richter, o que é muita coisa) que causou enorme dano mas apenas 2 mortes. Já o terremoto de fevereiro de 2011 foi de menor intensidade (6.3 na escala Richter) mas causou mais danos e muito mais mortes (185). O motivo disso foi o fato de o epicentro ter sido mais próximo da superfície, fazendo com que 2 prédios comerciais do Centro desabassem enquanto várias pessoas estavam em seu interior. Era hora do almoço em ChCh e todas as pessoas da cidade têm uma história para contar daquele dia.
Ambos os terremotos (tecnicamente, o de 2011 foi um aftershock do tremor de 2010) foram, de certa maneira, uma surpresa para a população. A NZ toda está sujeita a terremotos e outros já ocorreram em ChCh no passado, porém jamais causando tanto dano. A cidade se julgava um local relativamente tranquilo em relação a abalos sísmicos, se comparada à capital Wellington, por exemplo, que está localizada em uma falha geológica. As construções de ChCh não tinham padrão para resistir a tremores dessa intensidade. Para ter uma ideia do tamanho do estrago, mais de 70% dos prédios do centro da cidade foram ou estão sendo demolidos em razão do terremoto. As novas construções vão seguir critérios muito mais rígidos.
Veja abaixo algumas fotos da cidade (lembre-se que isso é agora, ou seja, 4-5 anos após!!!)
Apesar de a casa em que estamos hospedados ser legal e bem cuidada, ainda tem marcas do terremoto.
Como tomamos café da manhã todos os dias com a dona da casa, ela nos contou várias histórias sobre o terremoto e dramas a ele relacionados. A casa dela, por exemplo, embora esteja com a estrutura intacta (ou seja, não desabaria em cima de nós), precisa de vários reparos, que estão dependo de aprovação da seguradora. Como a quantidade de demandas está enorme, as seguradoras estão dificultando os processos, mas parece que finalmente vão liberar os recursos. A família vai se mudar por aproximadamente seis meses, para a realização da obra.
O filho dela estava no centro da cidade e sentiu o terremoto no 22º andar do prédio onde trabalhava. Felizmente conseguiu descer pelas escadas. O carro dele ficou preso por 3 meses em um elevador de automóveis até que um guindaste conseguisse retirar o mesmo.
Outro dia, pegamos um ônibus na cidade e a Celina conversou com um senhora muito simpática. Papo vai, papo vem e o assunto do terremoto é inevitável. Com os olhos cheios d´água, ela contou que só lembra do momento em que se jogou em cima da netinha e sentiu cacos de vidro caindo nas suas costas. Ambas ficaram bem.
Fomos a uma exposição sobre o terremoto e ficamos mais de uma hora assistindo a um documentário com depoimentos emocionados de habitantes, relatando seus momentos naquele fatídico 22/02/2011. Olhei para Celina e estávamos ambos com lágrimas nos olhos.
Em resumo, ficamos tocados pois recebemos todos esses depoimentos diretamente das pessoas que vivenciaram o terremoto (não teve qualquer filtro, distanciamento ou sensacionalismo por parte do noticiário) e exatamente onde ocorreram.
Toda essa vivência aqui em ChCh me fez aprender bastante coisa sobre terremotos como, por exemplo: poucas árvores caíram pois madeira é um ótimo material para resistir a abalos sísmicos, as enchentes que vêm após o terremoto (devido, entre outras coisas, a alteração no leito dos rios) podem ter efeitos tão devastadores quanto o terremoto em si e que, mesmo na NZ, companhias de seguro sempre vão tentar reduzir o valor a que são expostas (todo mundo aqui tem um seguro cobrindo desastres naturais, mas a conta é que aproximadamente $ 1 bilhão do total dos danos da cidade estava under insured).
Aprendi até coisas engraçadas como o concurso que fizeram de modelos de latrina portátil para utilização pelos moradores – parte da cidade ficou um mês sem rede de esgoto. Veja um dos modelos (é real, não é brincadeira) mais curiosos usados.
No entanto, mais importante que os “fatos” sobre o terremoto foi a percepção do significado real de uma tragédia. Duas coisas ficaram bem claras para mim. A primeira é que uma tragédia não se mede necessariamente pelo número de mortes, pelo prejuízo econômico ou pelas repercussões políticas. O que foi pior? Os atentados de Paris, o rompimento da barragem em Mariana, o 11 de setembro, o terremoto de ChCh ou o cachorrinho do amigo que faleceu? Acho que não existirá jamais o consenso, pois a experiência em relação a esses eventos será sempre uma coisa pessoal. E, sendo 7 bilhões de pessoas sobre a terra, são 7 bilhões de experiências e impactos diferentes. Podemos definir a que causou mais impacto sob diversos critérios, mas a “pior” nunca.
Outra coisa que percebi é que a grande diferença nestes casos é como você encara as coisas, como você segue com sua vida (ou não). O terremoto, o atentado, o rompimento da barragem, a morte do cachorrinho foram os eventos, mas sua reação em relação a esses eventos é que vai fazer toda a diferença.
Em um dos cafés da manhã aqui, o filho da dona do nosso quarto nos disse uma coisa interessante: “Fiquei pensando nos meus filhos (ele tem quatro crianças!) pois não podia demonstrar para eles nenhum pânico ou desespero diante da situação, apesar de por dentro estar me sentindo atordoado, sem chão. Não quero que eles cresçam com traumas ou inseguranças por morar em uma zona com possibilidade de fenômenos naturais tão destruidores, quero que eles sigam suas vidas e saibam resolver os problemas que a vida coloca na frente. Assim, serão pessoas mais completas e melhores cidadãos.”
E essa foi a lição kiwi do dia!
E viva o recomeço. E viva ChCh!
3 comentários sobre “De Christchurch com tremor”
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Memento Vivere!
Abraços, Tacuchian e Celina.
Ótimo seu comentário, Cláudia. Como pude me esquecer? Friburgo é o exemplo perfeito disso também.
Tacu; muito ri a essa experiência de vcs! Tendo vivido aqui em Nova Friburgo o maior desastre climático do Brasil, também em 2011, me identifiquei totalmente com o seu relato. Nosso carro zero também ficou retido por dois meses, por queda da estrada e nunca mais pudemos residir em nossa casa. Perdemos próximo a 1000 vidas na região serrana! E milhares de nos tem memórias traumáticas. Há duas noites tivemos uma chuva forte, com tempestade de raios, relâmpagos e trovões e vários de nos, desassossegados, não dormimos, o que se constatava pelo fluxo de mensagens no Whatsapp, inclusive… Mas, a melhor adaptação, e reconstruir e seguir a vida! Reseliencia e muito importante! Algumas mudanças que nos foram impostas são até benéficas! Somos mais felizes na nova casa, por exemplo!