Quando anunciamos nossa viagem, e até hoje, uma das palavras mais recorrentes que ouvimos é “aventura” (outra é bagagem, sempre seguida pelo espanto com o tamanho da nossa) 🙂
– Que aventura!
– Adoraria viver essa aventura também.
– Não sou tão aventureiro(a) como vocês.
– Aproveitem essa aventura de vocês.
É uma palavra engraçada pois, de maneira geral, é usada de forma positiva, mas também pode ter um viés ligeiramente pejorativo. Esse sentido negativo vem, principalmente, da ideia que aventura não está associada com planejamento.
Como se fossem coisas que não se misturam. Como se viver uma grande aventura fosse sair viajando por aí sem saber por que ir, para onde ir e como ir. Nessa nossa viagem, nada mais errado do que isso. Deu um trabalhão planejar tudo isso, levantar os recursos (principalmente emocionais) e executar o plano para tal. Já no lado positivo da coisa, um ponto em comum das grandes “aventuras” é sempre uma visão daquilo que faz sentido para você.
Meus heróis da infância e adolescência foram George Mallory e Edmund Hillary nas escaladas do Everest, Livingstone e Stanley na procura pela nascente do Nilo, Amundsen e Scott na conquista do polo sul. Sempre fui fascinado pelas histórias destes homens e suas motivações (algumas até bem polêmicas!). Verdadeiros Aventureiros com A maiúsculo. E todos tinham em comum uma visão, um norte, uma razão, uma paixão, um sonho. Sem isso, não teriam o combustível essencial para fazer o que fizeram.
Quando eu penso nessas pessoas, dá até vontade de dar risada da ideia de sermos considerados aventureiros.
No entanto, também descobri que você não deve deixar de perseguir SEUS sonhos e SUAS aventuras pensando que jamais alcançará feitos tão extraordinários quanto os homens acima conseguiram. Eu me inspiro com as pessoas, mas busco o MEU Everest, o MEU Nilo e o MEU polo sul. Cada um tem o seu.
E, por falar em heróis e inspiração, nesta viagem conhecemos com mais intimidade uma dupla para lá de inspiradora.
Explico melhor. Já disse que a estadia em Perth/Western Austrália foi um grande sucesso muito devido aos nossos amigos Luís e Astrid que moram por aqui já há algum tempo e nos deram todo apoio, não só emprestando casa e carro como passando todas as melhores dicas da região.
Não sabíamos, porém, que teríamos a oportunidade de conhecer um pouco melhor os pais da Astrid que há um ano atrás se mudaram do Rio para Perth e moram agora na mesma rua da filha, do genro e dos netos. Roberto e Eileen são figuras encantadoras.
Eu já sabia, muito superficialmente, das histórias de navegação dos dois, mas agora tive o privilégio de ler (ler não, devorar) os dois livros escritos pelo Roberto sobre as aventuras deles e seus pequenos barcos (pequenos no tamanho, não na bravura).
O primeiro, entitulado Do Rio à Polinésia, é sensacional. Conta as primeiras experiências de Roberto com o mar e a Épica viagem que fizeram os dois do Rio ao Pacífico Sul em 1967, só terminada em 1969. O barco deles, o Sea bird, tinha apenas 7.50 m de comprimento e, nos idos dos anos 60, obviamente era totalmente desprovido dos modernos aparelhos de navegação. GPS, Satnav, telefone via satélite, etc. Tudo isso era ficção científica na época.
Quantas histórias! Quantos personagens fantásticos cruzaram o caminho deles. Furacão no Caribe, trabalho na ilha de Santa Lúcia, primeiro barco de cruzeiro brasileiro a cruzar o canal do Panamá e finalmente o nascimento da filha (nossa amiga Astrid) em pleno Taiti no Atlântico Sul!
É impossível contar aqui toda as histórias que se passaram, e esse não é objetivo deste post, mas o livro é realmente repleto dos mais incríveis acontecimentos.
O segundo livro, As Incríveis Aventuras do Maitairoa, veleiro com 9.05 m de comprimento, conta a história de duas viagens, estas já na década de 80. Uma viagem do Rio até a Cidade do Cabo com direito a paradas nas ilhas de Santa Helena e Tristão da Cunha no meio do Atlântico e a outra a viagem incrível do Rio até as Falklands/Malvinas um pouco após a guerra entre o Reino Unido e a Argentina, com direito a um encalhe em uma parte super remota da ilha. Em ambas, a filha Astrid também participou.
Mais uma vez é impossível contar aqui todos os acontecimentos de ambas as viagens, mas o que ficou para mim é o exemplo de paixão com que eles se dedicaram aos seus projetos. Com essa paixão, eles colocaram mais significado na vida, deixaram um legado, uma herança, inspiraram, escreveram (literalmente) uma história só deles.
Assim, termino esse post, acrescentando – e homenageando – esses dois novos heróis na minha galeria. Quando eu pensava que toda nossa fonte de inspiração viria antes da viagem, nada mais gratificante do que conhecer Roberto e Eileen durante nossa viagem.
8 comentários sobre “Aventureiros, nós?”
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Ótimo texto Marcelo !!
Estou acompanhando os seus posts (e os da Celina também!) com muita alegria. Vocês tem sido bastante inspiradores !!
Continuo escondido aí na sua mochila, seguindo esta viagem!!
Abraços
Legal, Ruy. Ficamos felizes. Bem que eu percebi que a mochila estava mais pesada…Mas é por uma boa causa. Pode continuar escondido 😉
Que post legal e impressionante história !! Temos que providenciar estes livros ! Não é atoa que Astrid e Gato tem esta mesma “vibe” desbravadora e positiva …. agora tem seus pais pertinho ! Que bom para todos !
Beijos, curiosa e aguardando novos posts da Ásia
Oi Isabela. O segundo livro teve 3 ediçoes mas já está esgotado a bastante tempo. Os pais da Astrid fizeram uma reedição própria do primeiro livro e ainda temos vários exmplares em estoque. Me passe o endereço que eu envio um para vocês pelo correio. Meu e-mail é lctgouveia@gmail.com.
Luis/Gato
Excelente texto!
Aliás, acho que foi um dos melhores, e olha que todos estavam ótimos.
Achei tocante nos fazer pensar no que é realmente uma aventura (não desmerecendo todas as outras), mas imagine a coragem e o desprendimento de atravessar o mundo em um barco pequeno, com a tecnologia disponível 50 anos atrás!!!
Conheci-os há quase 30 anos, também já tinha ouvido por alto estas histórias, mas realmente me penalizo por não ter tido a dimensão exata, na época que os conheci, de uma aventura com esta envergadura!
Aconteceu o mesmo comigo. Só sabia por alto. Agora que entendi a história toda, motivações e detalhes deliciosos. Inspirador mesmo.
Meninos: que estórias interessantes eles devem ter para compartilhar! Fiquei com grande vontade de ler os dois livros… Felicidades na nova etapa da viagem de vcs! Aposto que vcs se surpreenderão muito na Ásia! Beijos pre-carnavalescos…
Uma pena que os livros são bem difíceis de encontrar. São excelentes. Uma lição de vida. Você ia adorar conversar com eles.