Nossa passagem pela África foi especial.
41 dias atravessando o continente num caminhão adaptado?!? Quem teria uma ideia maluca dessas? Pois é, parece programa de índio, mas o roteiro era encantador, incluindo oito países, do Quênia à África do Sul.
Mas, nós dois não preferimos viajar por conta própria, com mais autonomia e flexibilidade? Sim, mas na África é muito complexo planejar e executar este tipo de viagem.
Aderir ao tour parecia uma boa alternativa, apesar das dúvidas: Como assim caminhão? O deslocamento não é muito cansativo? Não é muito tempo para viajar com 12-15 pessoas que não conhecemos? O pessoal vai ser bacana? Como serão a comida e a hospedagem? Três dias acampando num parque sem cercas?!? Não é perigoso?
Dúvidas, muitas dúvidas. Resolvemos partir mesmo assim.
Nem todo mundo tem interesse e condições de encarar os aproximados 12 mil quilômetros, em 41 dias, de Nairobi à Cidade do Cabo. Do nosso grupo inicial de 14 pessoas, só quatro completamos o percurso. A maioria fez “só” o primeiro trecho, de 21 dias, até Victoria Falls (Zimbabwe), onde houve troca de caminhão/guias e chegou novo grupo de passageiros. E tivemos outras adesões e despedidas ao longo do caminho.
O perfil dos viajantes foi bastante heterogêneo. Gente de todas as partes (EUA, Canadá, Inglaterra, Alemanha, França, Portugal, República Tcheca, Chile, Argentina, República Dominicana, Austrália, Nova Zelândia e Coreia do Sul). De 14 a 71 anos, tendo a maioria por volta de 30. Estudantes, professores, profissionais liberais, recém formados, experientes, aposentados e viajantes de longo prazo (uns seis, além de nós).
Os guias eram muito profissionais e competentes. Em especial o time do segundo trecho deixou ótimas recordações. O cozinheiro Knowledge (esse era mesmo o nome dele!) mandava bem e era muito atencioso. E o líder Tawanda, que era uma figuraça, costumava ilustrar suas ótimas explicações e histórias com desenhos no chão e mímicas divertidíssimas. Competência, bom humor e gentileza. Obrigada!
Foi muito bom interagir com pessoas tão diferentes, interessantes, abertas e positivas. Por exemplo, os vovôs do grupo, o casal de domenicanos de 71 anos, que era pura vitalidade e leveza. Pena que esta dupla inspiradora ficou conosco poucos dias. Quando eu crescer quero ser assim. 😆
Bem, como nada é perfeito, dentre tantas pessoas bacanas tinha um carinha, só um, que destoou do grupo mas, tudo bem, isso faz parte, e ele não estragou a festa.
Como a maioria dos passageiros, optamos pelo tour “acomodado” em vez do “acampado”, porque 41 dias de barraca nem pensar. Ainda mais que somos totalmente novatos.
Para matar nossa curiosidade sobre como seria acampar na África bastaram as três noites no Serengetti e Ngorongoro (parques nacionais da Tanzânia) em que o grupo todo dormiu em barracas. Foi uma experiência incrível, com céu estrelado, banho gelado (ou não 🐷) e ilustres visitantes noturnos, mas essa é uma outra história, que o Marcelo vai contar no próximo post.
Sendo mais pobre, a África oriental oferece comida e hospedagens simples, não sendo garantidas luz elétrica nem água quente. E estradas de pior qualidade. Por conta disso, esta parte da viagem é mais desgastante, mas vale muito à pena, pelos incríveis parques, praias, paisagens, culturas…
Esta experiência é importante também para vermos como as pessoas conseguem viver em condições tão diferentes das que conhecemos, com soluções criativas e um sorriso no rosto. Por falar nisso, a alegria das crianças africanas (apesar da vida muitas vezes dura e com o mínimo de recursos materiais) nos encantou e comoveu.
A partir da Zâmbia é gritante a crescente melhora de infraestrutura e oferta de bens e serviços. Refresco para os viajantes!
Durante nossa temporada na África, tivemos alguns poucos perrengues, como pneu furado, troca de caminhão por conta de problema na caixa de marchas, além de eventuais hospedagens e comidas caídas. E vivemos, em boa companhia, muita coisa especial. Como os passeios nas dunas da Namíbia, no delta do Okavango e nas águas de Zanzibar. E os safaris, principalmente no Serengetti, Ngorongoro, Chobe e Etosha. Adoro observar os animais. Foi mágico ver os filhotes (como um elefantinho fofo que ainda não tinha aprendido a controlar a tromba), os elefantes nadando no rio, os leões e os hipopótamos acasalando… e tantos outros momentos marcantes.
É curioso como a noção de tempo muda numa viagem como esta. Quando li a descrição do roteiro, fiquei assustada com a quantidade de horas de estrada por dia e de quilômetros/dias da travessia toda. Será que vou aguentar?
Na prática tudo se ajustou. O caminhão acabou sendo mais confortável do que imaginávamos. E o pessoal era ótimo. Apesar do receio inicial, nos adaptamos rapidamente à dinâmica da viagem, intercalando atrações e longos deslocamentos. Fomos ocupando as (muitas) horas de viagem com conversas, paisagens, meditação, cochilos, músicas, podcasts, audio livros etc. E, surpreendentemente, o tempo parecia voar.
Algumas vezes me peguei repassando mentalmente as experiências que tivemos desde novembro (muitas fora da nossa dita “zona de conforto”), realizações, frustrações e aprendizados, em especial com relação a nós mesmos. Observei a capacidade de adaptação do ser humano e a diversidade de estilos e soluções de vida adotados pelas pessoas que passaram por nosso caminho. A gente se acostuma com um padrão, se acomoda, mas são infinitas as possibilidades. Não há fórmula mágica, cada um pode e deve escolher seu próprio caminho, seja o mesmo que já vem sendo percorrido, ou outro qualquer que se resolva criar. Manter o status quo em regra parece mais confortável, mas nem sempre é a melhor opção. É preciso ter a mente aberta e atenta aos sinais externos e internos.
Foi com pena que, de repente, percebi que “já” estava acabando a travessia. Esta viagem foi pela África, mas também para dentro de mim mesma.
Sentimos uma certa tristeza em dizer adeus para os companheiros de aventura, o caminhão e a África, mas nossa viagem continua.
Como diz o sábio Tawanda, “tomorrow is another day”.
8 comentários sobre “Hakuna Matata”
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Celina, as viagens internas, essas sim, são valiosas! É uma das coisas que acho transformador na experiência humana e descobrir que se pode viver e ser feliz de diversas formas! E para isso, nada como vivenciar essa experiência em diversos países e culturas! Ótimas experiências, não?!
Totalmente de acordo!!!
😙
Celina: Muitas vitórias! Com essa multiplicidade de personagens, paisagens e recursos, você também teve contato com a multiplicidade de Celinas que compõem a nossa Celina. Em resumo, a Celina ficou substancialmente mais rica, na sua vivenciacao do mundo externo, entrosado com a galáxia interna. Minhas felicitações sem fim e agradecimentos infinitos.
😊
Difícil falar isso depois de tantos meses, mas para mim acho que essa viagem de caminhão foi o melhor até agora.
Estou achando que quando voltarem vocês vão querer arranjar outro grupo de amigos, mais interessante, porque depois dessa viagem qualquer coisa que os mortais façam fica desinteressante…
Agora, este casal de 71 anos salvou vocês, heim? Se não fossem eles, vocês seriam os vovôs do grupo!
😆
Pode tirar o seu cavalinho da chuva, que vcs não vão se livrar assim fácil da gente não.
Com relação ao posto de vovô, também passou pelo grupo um senhor de setenta e poucos anos e uns quatro por volta de cinquenta.
Mas na reta final o título era nosso mesmo. 😝
Ao acabar de ler seu novo post, Celina, me recordei de como a peregrinação de Santiago de Compostela me modificou por dentro. Ninguém faz essa viagem que vocês estão fazendo sem sentir uma profunda e definitiva mudança na forma de ver o mundo em que vivemos e, consequentemente, a vida e seus valores. Mas certamente essas mudanças serão positivas, ainda mais considerando o ponto de partida de duas pessoas tão legais como vocês.
Amenizando o papo, meu recorde foi de sete dias sem banho, na Bolívia. Como andam por aí esses recordes? Hehehehe…
Você tem razão, meu amigo, a gente muda mesmo. Para melhor, espero.
Com relação à sua pergunta, nossa marca não impressiona – só usamos vale liberação duas vezes (no primeiro e no terceiro dia do camping na África).
Bjs