Deixando Bangkok, pegamos o trem noturno e 11 horas depois amanhecemos em Chiang Mai no norte da Tailândia.
É a segunda maior cidade da Tailândia e já foi capital do país. Lugar muito interessante pois ao mesmo tempo que é o “centro espiritual” do país com mais de 300 templos budistas, também vem se firmando como um polo de inovação e atraindo vários nômades digitais (as pessoas que trabalham a partir de um computador, em qualquer local do mundo com conexão de internet, podendo se deslocar para outra cidade/país quando tiverem necessidade ou vontade). As conexões de internet são super rápidas, baratas e disponíveis em qualquer lugar.
Foi nessa mistura toda que decidimos ter uma experiência diferente: fazer um retiro de meditação com monges budistas. Organizado pelos monges do templo de Wat Suan Dok (que também abriga uma universidade budista), o cronograma era o seguinte:
Calma aí, calma aí, antes de continuar o texto, para que nenhum dos meus familiares ou amigos infartem, não, não virei monge budista e nem tenho intenção de sê-lo.
No entanto, eu e Celina aprendemos muita coisa interessante sobre o Budismo e meditação.
Mais um disclaimer antes de continuar: minhas conclusões e entendimentos sobre o Budismo são pessoais e superficiais e esse post não tem qualquer pretensão de discutir religião. O buraco é muito mais embaixo que a abordagem simplista que adoto aqui.
Dito isso, começa a primeira polêmica sobre o Budismo: religião ou filosofia? O monge que nos acompanhava adotava a linha que Budismo é muito mais filosofia que religião.
Buda, por exemplo, não é Deus, nem filho de, nem escolhido por Deus. Buda foi apenas uma pessoa “normal” – na realidade, um príncipe – que encontrou o “enlightment“. Essa é uma palavra de tradução difícil para o português. Uma pessoa enlighted é uma pessoa iluminada, mas fica esquisito dizer que alguém alcançou a iluminação, em português.
De qualquer maneira, para os budistas, Buda é simplesmente um professor. Alguém que tem algo a ensinar. E, ao optar pela vida de monge, você se compromete a somente aprender, praticar e compartilhar a filosofia budista.
Daí vem o comportamento monástico que impõe que um monge não faça nada que não seja associado às 3 ações anteriores. Daí também advém o fato de que monge não pode casar, trabalhar ou até praticar esportes (aparentemente, são 227 regras que eles têm que seguir). É uma vida espartana mesmo, em que até a comida deles tem que vir de doações. O detalhe é que as doações não são em dinheiro para que eles comprem a comida.
A coisa funciona da seguinte maneira: todo os dias, os monges saem às ruas (mais ou menos das 6 às 7 horas da manhã) e a população doa alimentos para eles. É o ritual conhecido como alms offering ou oferenda de doações (em vários sites em português, você vai encontrar a tradução incorreta como ronda das almas. Não tem alma nenhuma rondando não 😉 )
Voltando para a vida de monge, uma coisa muito interessante que descobrimos é que é bem normal e aceitável que um monge desista da vida de monge em algum momento de sua vida. Não é tabu como na igreja católica e outras religiões, por exemplo, em que deixar de ser padre não é uma coisa trivial e que sempre acontece.
Existe até um movimento que prega que as pessoas devem, pelo menos por um período em suas vidas, adotar a vida de monge para ter outra perspectiva sobre as coisas. Apesar da dificuldade da vida de monge, eles são extremamente respeitados na Tailândia. Por exemplo, no metrô em Bangkok tem lugar com prioridade para eles. Na estação de trem também existiam cadeiras reservadas para eles sentarem e outras “mordomias” do tipo.
Voltando ao retiro, o local, afastado uns 30 minutos de Chiang Mai, embora simples, era muito bucólico e bonito. Todos tinham que vestir roupas brancas e largas. Os casais tinham que dormir separado, a comida era vegetariana e éramos orientados a não falar durante as 24 horas que durava a experiência (exceção de uma hora na manhã do segundo dia quando acontecia uma sessão de perguntas e respostas com os monges). Os quartos eram duplos e eu fiquei na mesma acomodação que um italiano mas não troquei nenhuma palavra com ele. Foi curioso.
Indo agora para a parte da meditação, nos foi explicado que meditação é uma prática fundamental do budismo pois seria através da mesma que Buda conseguiu o enlightment. De qualquer maneira, meditação não é exclusividade do Budismo. É apenas um prática saudável como outra qualquer (como fazer exercícios, se alimentar bem, etc).
Isso é bem importante pois acredito que, principalmente no mundo ocidental, associamos meditação a algo místico e religioso. Meditação é apenas uma técnica (nada mais sofisticado que isso) que mostra como domar a nossa mente para conseguirmos não só paz de espírito mas também rendimento superior nas nossas vidas. É por isso que duvido que exista algum atleta de alto rendimento que não tenha alguma técnica de meditação em seus treinos. Um bom executivo, músico ou médico deveria incorporar essas técnicas para melhorar sua performance também.
Outra confusão que se faz com meditação é que meditar significaria esvaziar completamente a mente (não confundir esvaziar com limpar) e não pensar em nada. Nada mais incorreto. A prática da meditação envolve o conceito de mindfulness, mais uma palavra de difícil tradução para o português. Seria algo como atenção plena ou o estado mental de estar consciente de seus sentimentos, pensamentos e sensações do corpo. Ou seja, você estar controlando (ou melhor, acalmando) sua mente e não a sua mente controlando você. É o oposto de uma mente vazia.
Para conseguir isso, as técnicas de meditação não estimulam que você não pense em nada e sim que foque em algo! O que não pode é durante a meditação ficar remoendo coisas do passado ou pensando na reunião que você terá amanhã ou email difícil que tem que responder. Os pensamentos não devem ficar pulando de um lado para o outro. O importante é o foco.
Aí aparece outro conceito bem poderoso do processo de meditação. Viver o presente. Vivendo intensamente o presente vai te facilitar a superar problemas do passado e aliviar as ansiedades com eventos do futuro.
As técnicas de meditação são inúmeras (no retiro, ensinaram 4 delas) e a maioria coloca a respiração como objeto de foco. Prestar mais atenção na sua respiração é uma ótima forma de ocupar sua mente e se concentrar no momento presente.
Outro insight interessante que estou tendo com a prática e o entendimento da meditação é o conceito de simplicidade. As técnicas de meditação são simples, porém não vou negar que a prática da mesma pode ser difícil para a maioria de nós, principalmente devido ao estilo de vida que levamos e os eventos externos a que estamos sob influência.
Não tenho tanto medo de coisas difíceis, porém simples.
Então, que tal simplificarmos nossas vidas? Tenho usado essa pergunta para direcionar minhas decisões futuras. Se é simples, sigo em frente. Se é algo fácil ou difícil é outra questão. É importante não confundir as coisas.
E se o caminho for difícil, o gostinho da conquista vai até ser melhor 🙂
12 comentários sobre “Onde eu estou com a cabeça?”
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Marcelo e Celina, sei que vcs estão trabalhando nas questões técnicas para fazer un(s) novo(s) post(s). Só para vocês saberem que estamos ansiando por ele(s)! Curiosos para saber das andanças e consequentes mudanças aí na Índia!!!
Marcelo: vc já está embalado! E na firma de escrever demostra que já está aplicando e usando a sua maneira de pensar recem adquirida. Parabéns! Vc está revelando que pensa em profundidade e completude…
Obrigado 🙂
Muito bom texto, simples e focado.
Aliás, a foto de vcs no topo do post ficou muito boa… foi tirada na Tailândia mesmo?
Xi, Antônio. Segredo apenas para você e para quem lê os comentários. A foto do título do post não é nossa não. Não tínhamos nenhuma foto em modo paisagem que pudesse ser o título do post e usamos essa mesma que achamos que ilustrava bem o assunto.
Acho que vcs estão viajando há tempo demais…
Não entendeu que era piada??
Ótimo texto !!!!! E deve ter sido ótima experiência ! Parabéns pelo blog e pela aventura !
Obrigado, Léo. É muito input mesmo!
Obrigado, Flores. Meditação não é fácil, mas traz muitos resultados.
Gostei muito dessa postagem, Tacuchian. Tenho muita curiosidade (vontade) de conhecer melhor sobre meditação e sobre o Budismo e ao contrário do que disse, achei que foi bem eficaz na abordagem, que obviamente não poderia esgotar o assunto em uma postagem em um blog. Adorei as fotos e especialmente ver a Celina em uma paz transcendente (nem parecia estar privada de seus chocolates) e da sua pose, já PhD em Budismo, competente como tudo que encara nessa vida. Saudades dos amigos.
Obrigado, Valéria. É sempre legal ver ou experimentar algo você mesmo para poder ter uma opinião formada sobre essa coisa.
Muito interessante a perspectiva que você relata sobre meditação! Adorei! Valéria